Proclamação da República: "O povo assistiu àquilo bestializado"
Tropas do Exército no dia 15 de novembro de 1889, tendo à frente o marechal Deodoro da Fonseca no Campo de Santana, no Rio de Janeiro
O dia 15 de novembro marca a passagem dos 126 anos da proclamação da República. "O povo assistiu bestizalizado a proclamação da República". A afirmação é de Aristides Lobo, jornalista, político e um dos maiores ativistas em favor da proclamação da República.
"O povo assistiu àquilo bestializado", artigo de Aristides Lobo. Rio, 1889 O artigo de Aristides Lobo, publicado em forma de carta no “Diário Popular”, descreve como o povo do Rio de Janeiro assistiu à proclamação da República pelo marechal Deodoro - bestializado, como se presenciasse uma parada militar. O artigo foi escrito na própria tarde de 15 de novembro de 1889 e veio à luz na edição do dia 18. Em tempo: Aristides Lobo era republicano.
Cartas do Rio(*) ACONTECIMENTO ÚNICO Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1889.
Eu quisera poder dar a esta data a denominação seguinte: 15 de Novembro, primeiro ano de República; mas não posso infelizmente fazê-lo. O que se fez é um degrau, talvez nem tanto, para o advento da grande era.
Em todo o caso, o que está feito, pode ser muito, se os homens que vão tomar a responsabilidade do poder tiverem juízo, patriotismo e sincero amor à liberdade.
Como trabalho de saneamento, a obra é edificante. Por ora, a cor do Governo é puramente militar, e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula.
O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava.
Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada.
Era um fenômeno digno de ver-se.
O entusiasmo veio depois, veio mesmo lentamente, quebrando o enleio dos espíritos.
Pude ver a sangue-frio tudo aquilo.
Mas voltemos ao fato da ação ou do papel governamental. Estamos em presença de um esboço, rude, incompleto, completamente amorfo.
Bom, não posso ir além; estou fatigadíssimo, e só lhe posso dizer estas quatro palavras, que já são históricas.
Acaba de me dizer o Glycerio que esta carta foi escrita, na palestra com ele e com outro correligionário, o Benjamim de Vallonga.
E no meio desse verdadeiro turbilhão que me arrebata, há uma dor que punge e exige o seu lugar - a necessidade de deixar temporariamente, eu o espero, o Diário Popular.
Mas o que fazer? O Diário que me perdoe; não fui eu; foram os acontecimentos violentos que nos separaram de momento.
Adeus. Aristides Lobo
(*) Cartas do Rio era o título da coluna que o jornalista mantinha no Diário Popular. historia-novembro
(Fonte: História Sincera da República, de 1889 a 1930, Leôncio Basbaum, São Paulo, Fulgor, 1968)