ENTREVISTA (3ª parte) - Celso Coutinho: "Não serei candidato, mas se meu primo, meu irmão José
O ex-prefeito Celso Coutinho concede entrevista ao editor do Blog Vimarense, Nonato Brito
O Blog Vimarense divulga a 3ª e última parte da entrevista com o ex-prefeito Celso Coutinho. A primeira parte da entrevista foi publicada no dia 17 de janeiro e a segunda no dia 21. As entrevistas com os ex-prefeitos de Guimarães são um esforço do Blog Vimarense em registrar fatos relevantes da história vimarense. A próxima entrevista será realizada com o ex-prefeito José Murilo Nunes de Sousa. Em seguida, serão realizadas as entrevistas com os ex-prefeitos Antônio Reginaldo Lopes, Antônio Agenor Gomes, Artur Farias e padre William Guimarães da Silva. Agora, o leitor vai concluir a leitura da última parte da entrevista com o ex-prefeito Celso Coutinho:
Blog Vimarense - Das duas administrações suas à frente da Prefeitura de Guimarães, qual o senhor considera mais exitosa?
Celso Coutinho - Nonato, eu acho que sem os bons momentos, sem as boas marcas da segunda administração elas não existiriam sem a primeira. Acho de que a energia, a comunicação telefônica, o transporte decorrem dessa primeira administração. Eu tenho coisas que me trazem um encantamento, por exemplo, esse projeto de alfabetização de adulto na segunda administração, onde Zebina foi a oradora na praça pública. Isso foi um negócio marcante e socialmente com muito valor, não é valor financeiro por que não existe valor financeiro nisso, é o valor social. Eu tenho até a relação nominal das professoras e que havia a professora coordenadora do projeto que morava na sede, mas era filha da região de Baiacu. A ação, Nonato, foi a Marcha da Pedra que só houve em Guimarães, muito significativo. Eu me lembro de que um conterrâneo nosso que já morreu, Mário, filho de uma senhora que chamávamos Madrinha Sérvula, o Mário era um abnegado por Guimarães, ia passar as férias lá e eu me lembro dele por que todas as vezes que ia a Guimarães ele fazia um movimento, uma campanha para aterrar aquela área que chamamos de ponta do Cumã, mas coitado, só com música não dava. Houve oportunidades, dizem que três coisas que você não repete. A palavra dita, essa palavra que a gente diz, pode-se até dizer de novo, mas não é a mesma a que dissemos. A flecha lançada, ela não volta, e a oportunidade perdida, pode ser que venha outra igual, mas a que você perdeu não volta mais. Dou como exemplo o material da Petrobrás quando passou por lá e que tinha até certa distância entre os dirigentes e daqueles que eram prefeitos da época por que achavam que a Petrobrás estava encarecendo a carne, galinha, e a macacada, o pessoal da Petrobrás ainda namorava as meninas (risos) e os rapazes de lá ficavam só olhando. Então essa foi uma oportunidade que se perdeu, na região toda.
O prefeito Celso Coutinho, em sua primeira gestão (1970-1973), posa para foto em estrada vicinal aberta no interior do município (Foto: Arquivo Dibo Cuba)
Blog Vimarense - Durante os seus mandatos de deputado estadual que obras foram viabilizadas por sua gestão junto ao Governo do Estado?
Celso Coutinho - Nonato, a estrada de Pinheiro a Cururupu. Eu conheci Cururupu quando era estudante, fui numa carona em um jipe da Petrobrás, fui com Antônio Malambalo que ainda está vivo, viagem longa e que cheguei todo quebrado (risos), assim que eu conheci. Então essas três coisas foram um marco, energia, transporte e comunicação.
Blog Vimarense - Depois do exercício de todos esses mandatos o senhor pretende disputar novas eleições?
Celso Coutinho - Nonato, eu não disputarei eleição. Eu não sou mais eleitor, meu título está cassado, mas eu vou me habilitar e mostrar que foi um ato imerecido, isso é antipatia que algumas pessoas têm comigo, alegam ato de improbidade administrativa na merenda escolar... Rapaz, isso é uma invenção. Uma das coisas que eu queria registrar nessa entrevista sua, é que não deve ter tratamento igual para pessoas desiguais, somos cerca de seis mil municípios, não se pode ter um tratamento administrativo igual para esses municípios por que são realidades diferentes, são erros que o próprio governo está reconhecendo. Como é que eu vou tratar uma licitação de uma empresa como a Petrobrás ou a Prefeitura de São Paulo? Comparar com a Prefeitura de Guimarães, rapaz? Te vendem alguns quilos de peixe, um paneiro de farinha, eles assinam recibos ou alguém assina a rogo dele, coloca identidade, a impressão digital, CPF, mas se não tiver a nota fiscal é irregularidade. A criança diz que comeu, a professora diz que pagou, mas o formalismo burocrático diz que tem que ter a nota fiscal. O pescador, o lavrador não tem isso e por um fato desse invalidam um documento, as vezes tem coisa por aí que são puramente fictícia, tem nota fiscal mas não foi praticado o ato e é aprovado. Tem que haver uma campanha dos prefeitos da região para discutir isso. Vou dar um exemplo: uma criança está com tuberculose e o adulto também, a doença é a mesma, mas o tratamento é diferente. Então não pode haver o mesmo tratamento que tem as prefeituras de Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o mesmo para Guimarães, Mirinzal, Cururupu, Cedral, Porto Rico e outros muito menores. Você tem é que colocar no povo o direito que ele tem de fiscalizar, o direito do cidadão até com certa exigência. Ele não pode se desinteressar por aquilo que é um direito dele. Se ele não cumpre o dever de saber então não tem nenhum direito que ele merece ter, tem que preparar as bases sociais para esse acompanhamento, digo sempre que ainda não perdi a minha cabeça de estudante que é um idealista, eu nunca vi um colega meu que fosse acusado em estar servindo a um grupo político e ganhando dinheiro para defender o ponto de vista, eu nunca vi. Eu fui um militante politico quando estudante, nunca vi um colega meu dizendo que estava devendo alguma causa por que estava a serviço dos barões, estava com aquele ponto de vista de que estava certo que fosse demonstrado a ele que havia um ponto de vista melhor do que o dele e passaria a adotar aquele ponto de vista. São essas coisas que não pode ter. Eu quero colocar isso, Nonato, para mostrar que tem que ter uma reavaliação nisso. Não é aprovando a impunidade, a corrupção, em absoluto. Eu estou querendo é ver a sociedade participando com mais legitimidade dentro do processo. Você ver um cidadão, um palestrante do Tribunal de Conta da União, do Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul, lhe dizendo como fazer com os problemas de Guimarães, ela vai lhe dar todas as soluções, o carro está na porta, ar condicionado, água mineral, ele tem todo conforto. Aí você diz: puxa, esse cidadão que está aí sabe toda a solução dos problemas de Guimarães e eu não. Eu vivenciando o problema e não sabendo solucionar? Se eu for dar a solução e não corresponder à formalidade burocrática dele vai dizer que é uma irregularidade. Se você pegar essa pessoa que se diz dar conta de tudo, levá-lo para Guimarães, não agora, mas quando fui prefeito que era na época de lamparina e carro de boi... Na hora do almoço você leva um cangatã, uma peixe-pedra assada, ele não come, ele nunca viu isso, bota uma tiquara ele não come também por que não conhece (risos) e quer resolver os problemas da terra do cangatã, da peixe-pedra assada e da tiquara. Nove horas da noite apagava o petromax, apagava a luz e você chegava com uma lamparina, ele não conhecia, pensava que ia tocar fogo nele. Então esse cidadão que teve teoricamente todas as soluções dos seus problemas, ele foi para a prática sem conhecer a realidade. Se ele passar vinte ou trinta dias, quando sair de lá é meio perturbado (risos) achando que queriam tocar fogo nele com a lamparina. Então, Nonato, eu acho que esse tratamento igual para entes desiguais é justiça pra um e injustiça pra outro. Nonato, respondendo a sua pergunta sobre candidatura: Não serei candidato, mas se o meu primo, meu irmão José Murilo for candidato, vou apoiá-lo com o seu grupo.
O prefeito Celso Coutinho (à esquerda, de costas, sentado à mesa), no Casino Vimarense, em sua primeira gestão, promove reunião com membros da comunidade vimarense (Foto: Arquivo Dibo Cuba)
Blog Vimarense - Nos últimos anos o senhor só usa camisas vermelhas. Qual a razão dessa escolha?
Celso Coutinho - Nonato, deixa-me dizer. As cores, elas significam alguma coisa: a paz, a tristeza, o preto é luto, né? Existem alguns países em que o vermelho é luto. Temos como exemplo a Índia, o branco simboliza a paz, o verde é a esperança. Então com essa atividade minha quando estudante e depois como político profissional, diziam que nós éramos de esquerda. Isso é um procedimento arcaico hoje, direita, esquerda, ninguém fala mais nisso. O direito era reacionário e conservador, já a esquerda era subversivo, comunista, ateu. Então os grupos disputantes, um acusava o outro que achava que era um defeito pra eles, por exemplo. Eu nunca vi um colega meu armado ou drogado e nós como todos os jovens estudantes varávamos cinema, driblávamos bondes, brigávamos muito (risos), mas era na mão, no braço. O sociólogo americano Alvin Tolflen diz em seu livro “A terceira onda” – “nem toda novidade é nova, uma coisa que parece nova que é o ressurgimento de fato que já aconteceu há muitos anos”. Como exemplo: não é moderno o aluno saudar o professor e o professor saudar o aluno na sala de aulas, dizem que é humilhação, coação... que nada, isso é um elo muito forte, essa relação professor aluno e aluno professor. Sem nenhum moralismo, não sei se você vê na televisão, cenas de imoralidades, são cenas que nunca vi na zona, eu vejo dentro de casa, na televisão, vocabulário que não deveria ser usado por que há crianças assistindo no horário. Eu tinha um sobrinho, filho do meu irmão Evandro, o Zé Maria, que nós criávamos até um tempo, teve um problema de artrite e ele morreu. Fomos à missa de trigésimo dia, eu e Maria Alice na igreja da Cohama e tinha um padre estrangeiro e que acho que ele não sabia o que estava dizendo. Ele comentava no sermão que ele fazia criticando a política do nosso país. O que o padre não pode é fazer a política partidária, aí ele tem que tirar a batina. Como padre pode, sim, falar de alguma coisa que está acontecendo na sociedade e dar a sua opinião, não tem problema nenhum. A igreja estava tão cheia que ficamos na porta. Aí o padre no sermão dizia assim: O Brasil, isso é uma sacanagem que os políticos estão fazendo com os brasileiros! Sacanagem parece-me que não é um vocabulário de um sermão, eu disse pra Maria Alice: estais ouvindo o que o padre está dizendo? Rapaz, ele repetiu de quatro a cinco vezes, acho que ele gostou da palavra pensando que fosse outra coisa. Uma vez eu estava em uma banca na praça João Lisboa, de um parente meu, o Mondego, por que todo Mondego é meu parente por parte do meu pai. Eu era para ser Celso da Conceição Nunes Coutinho, mas não sei se o meu pai esqueceu (risos) ou Zebinho Cavaignac não colocou, e ficou só Celso da Conceição Coutinho, mas os meus outros irmãos têm. Então eu estava na banca, era uma sexta-feira santa, na Igreja do Carmo iria haver o encontro de Jesus com Nossa Senhora, fiquei para assistir. Sei que não tem padre tolo, todos são preparados e inteligentes, tem uns pastores tolos, mas padres não, então fiquei para assistir e quem sabe aprender alguma coisa que ainda não sabia. Poucos minutos depois acontece o encontro e o padre começa a contar a história de dois mil anos atrás. Depois ele descambou para o PT, falando que o PT seria a solução para o país. Eu disse, esse padre está enganando esse pessoal. Jesus e nem Nossa Senhora era do PT (risos). Como um padre vai enganar as pessoas? O que ele deveria dizer é que Jesus, nunca morreu, que Jesus é uma referência da história do mundo, por que para você contar a história do mundo você tem que falar antes e depois dele, ele está vivo, você lê toda essa história, Jesus que não escreveu nada, foram os discípulos que escreveram. Muitos interpretam diferente dele. Eu vejo que nós deveríamos ter sempre essa participação. Eu soube, não conheci, um padre de Guimarães que teria dado um tiro numa bola. Acho que um ato desse ele deveria ser chamado à atenção, foi um ato imprudente. Ninguém pode fazer isso, atirar numa bola de criança. Quando eu era estudante, já fazia política estudantil, tinha a parte mais conservadora que eram os mais avançados e nos chamavam de comunistas, subversivos e agitadores, tinha um lado dos mais conservadores da igreja, que tinha uma missa na Igreja de São João aos domingos para a juventude estudiosa do Maranhão e largavam o pau na gente, diziam que os movimentos que nós fazíamos era por que éramos subversivos, comunistas, agitadores e financiados pelos rublos de Moscou, isso dentro da igreja. Nonato, até hoje eu nunca vi um rublo na minha vida (risos) a gente ficava pai d’ égua com isso, tudo para nos identificarmos com o comunismo. Certa vez em Guimarães eu admiti essa identidade de vermelho, identidade que eu não sabia que tinha e que os meus adversários descobriram e eu reconheci que era verdade por que o vermelho era a cor mais bonita, vermelho era a cor do sangue, sem sangue não há vida e os que não queriam o vermelho eram camaleões, não tinham cor (risos), o mimetismo político, não é? Hoje não tem mais nada disso, é por época e essa época passou.
Blog Vimarense - Obrigado por sua entrevista.
Celso Coutinho - Eu que tenho que passar para você essa minha satisfação e os meus agradecimentos, e olhar de que você tem a sensibilidade dos problemas da sociedade. Não tratamos problemas pessoais nenhum aqui, tratamos de coisas dentro de uma comunidade que vivemos, isso é uma coisa muito bonita e muito importante. Eu tenho uma satisfação muito grande quando as pessoas me criticam. Eu não aceito é quando a pessoa me ofende. A crítica é uma forma de ajudar. O Aristóteles dizia: “A crítica é uma forma de te ajudar, não escutes o elogio por que pode ser uma bajulação”. Tem a macacada, os lacaios nesse período: Todo poder tem a antessala do poder onde vagam-se as pedras todos os lacaios. Os puxa-sacos do Sarney, Newton Bello, Cafeteira, Jackson, Flávio Dino, eles querem estar no poder. Todo poder ele vasa e se hospeda em todos os lacaios. Tem que preparar as pessoas para as críticas. Vou te contar um fato que aconteceu aqui quando eu era estudante. Ficaram para a final do futebol, Liceu e Maristas. O Maristas funcionava de lado da Catedral da Sé, o jogo foi no campo do Moto e nós saímos perdendo de 2X0 no primeiro tempo. O Alfredo, colega nosso, fez 2X1, Gonçalves, do Maristas, fez 2X2 e Celso Coutinho, no apagar das luzes, fez 3X2 e aí nós ganhamos. No dia seguinte teve um jogo de final de basquete que baixinho como eu não jogava. Essa disputa foi na quadra do Liceu, e o Liceu ganhou de novo. Com essa estiagem de muito mato seco e alguém talvez não com a intenção, jogou uma ponta de cigarro aceso no capim seco. No dia seguinte que os alunos chegaram entenderam que foram os Maristas que atearam fogo por que tinham perdido o jogo. Os alunos se reuniram e disseram que iam para uma vingança e tal (risos) e o diretor da escola era o Padre Newlton Pereira. Ninguém mais ia para a aula, queriam vir aqui no Maristas que na época funcionava ao lado da Igreja da Sé para desforrar. O padre reuniu a congregação, os professores, também os alunos, o Centro Liceísta, e disseram aos alunos que iam saber o problema e encontrar a solução, que não seria essa do confronto. Tinha um professor, Alves Cardoso, que era professor de Português, foi o último a falar, todos já tinham falado. O professor iniciou dizendo que já tinha ouvido os dois lados. Já ouvi a diretoria do colégio, professores e os alunos e já sei quem está com a razão, são os estudantes. Os professores e os demais olharam pra ele que também pediu para fazer parte dessa passeata, a coisa piorou ainda mais (risos) por que a intenção era vir quebrar, invadir o Maristas, brigar com os alunos de lá. Nós tínhamos um colega que era um homem alto, ginasta musculoso, Ariosto, que trazia outro colega que era da molecagem, Guido Amilton de Aguiar Pereira, que depois foi gerente do Banco do Brasil, veio no pescoço do Ariosto com as duas taças nas mãos, descemos a Rua do Sol e o professor Cardoso na passeata. Alunos com pedaços de pau, pedras nas mãos e ficamos sabendo que lá eles tinham água quente para jogar na gente na hora da entrada. Quando chegamos no Maristas os diretores estavam todos naquela escada da entrada e já estavam com a polícia como proteção. O professor Cardoso subiu aquela escada e fez um belo discurso que eu nunca esqueci na vida, pedindo que abrissem as portas da escola do Marista por que a juventude liceísta vinha abraçar a juventude do Maristas, que os jovens não se agrediam, os jovens se abraçavam. A macacada que estava com paus e pedras nas mãos jogou fora. O professor Cardoso convenceu, a polícia abriu, nós entramos no Maristas e eles que estavam nos esperando com água quente receberam nosso abraço e saíram para nos deixar no Liceu. A guerra que ia ter acabou num abraço. Eu nunca esqueci disso do professor Cardoso que teve a nossa confiança e que ao invés de briga levou o abraço.
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