ENTREVISTA - Carlota Avelar: "O Rei Momo chegava em Guimarães de avião"
Carlota Avelar Araújo concede entrevista ao editor do Blog Vimarense, Nonato Brito
A vimarense Carlota Avelar Araújo esteva à frente do Bloco Apache e da Casinha da Roça em vários carnavais vimarenses, na década de 1960. Filha dos também vimarenses Agripino Avelar e Apolônia da Silva Dias Avelar, Carlota foi residir em São Luís aos 6 anos de idade, voltando a morar em Guimarães aos 11 anos. Professora aposentada, reside atualmente em São Luís e esteve com a família em Guimarães há 5 anos, no período do Carnaval, no último ano da administração do prefeito padre William, quando foi homenageada na Passarela do Samba, como reconhecimento à sua contribuição à cultura popular vimarense. Nascida em 18 de dezembro de 1943, casou-se com João de Deus Carvalho Araújo (já falecido). É mãe de Neil Carlos, Nilcienne Carla, Diana e Diane, e avó de Isabela, João Carlos, Graciele e Cibelly. O editor do Blog Vimarense viajou a São Luís especialmente para fazer esta entrevista.
Tribo Apache na Praça Luís Domingues no carnaval vimarense de 1963. A brincadeira carnavalesca era coordenada pela vimarense Carlota Avelar Araújo.
Blog Vimarense - A senhora foi quem organizou o bloco Apache na década de 1960. O Bloco Apache saiu em quantos carnavais?
Carlota – Nonato, na minha direção foram quatro anos: 1960, 1961, 1962, 1963 e 1964. Eu não deixei ninguém responsável em continuar com o Apache, mas sempre pedi aos meus colegas, aqueles e aquelas que faziam parte da brincadeira para que não deixassem morrer a nossa brincadeira e que o carnaval não deixasse de ser alegre.
Blog Vimarense - Além da Tribo do Apache, a senhora organizava outras brincadeiras?
Carlota - Eu não só fazia o Apache, fazia a casinha da roça também que foi um sucesso. Sempre gostei de alegrar o carnaval da minha terra. No segundo ano em que eu fiz o Apache também fiz a Casinha da Roça. Quem não queria brincar o Apache brincava a Casinha. O prefeito da época era Paulo Nogueira que muito me ajudou nas brincadeiras, dava até caminhão para nos transportar para Cumã. Como ele sempre sabia que nós fazíamos as brincadeiras para alegrar o nosso carnaval, nos chamava para ajudar. Inclusive o seu filho, Seu Bi, brincava conosco na tribo do Apache. No Cumã a gente ia na casa de Dr. Ribamar que tinha um irmão chamado Osmar e uma irmã que não recordo o nome.
A Tribo Apache faz evoluções na Praça Luís Domingues
Blog Vimarense – Como começou a organização do Bloco Apache?
Carlota – Sou uma pessoa que sempre gostei de ter amigos, de estar sempre no meio dos colegas. Na época das férias eu sempre organizava pic nic na praia de Cumã, tudo para não ficar umas férias monótonas sem a gente se divertir. Organizava festas no Casino Vimarense. O meu irmão era músico, o Enildo Avelar.
Blog Vimarense - ...que era conhecido como Culino.
Carlota - Sim, que era conhecido como Culino. Eu convidava os seus colegas e eles tocavam pra nós. Os colegas que não tinham dinheiro para pagar a entrada contribuíam com a limpeza do clube e aí tinham garantida a entrada. Éramos colegas muito unidos, um ajudando o outro. Tanto prova, Nonato, que no segundo ano da organização do Apache eu pedi para Antônio Luiz Brito, que trabalhava num serviço de alto falante lá em Guimarães para que chamasse os meus colegas para uma reunião no outro dia às 4 horas da tarde na minha casa para participarem de uma reunião onde iríamos tratar sobre a nossa brincadeira do Apache. Ele fez a chamada e houve a reunião com bastante pessoas, todos os meus colegas estavam lá.
Blog vimarense – A senhora se recorda dos nomes dos integrantes do bloco?
Carlota – Lembro sim de muitos deles. Antônio Carlos Brito (Shell)que era o feiticeiro da tribo, Hailton Agripino, Agripininho como era conhecido, meu irmão, que era o cacique, Iara, Stélio, Toy, Santinha, Cocorobó, Manuel, irmão de Santinha, Kleber, meu primo, que hoje mora em Manaus, Vavá de Clóvis, Lícia Carvalho, filha de Clodoaldo, Pedro Marujo, Moisés, Albertina, Júlia, irmã de Albertina, Júlia, irmã de Pedro e outros que não lembro.
Blog Vimarense – Eram quantos homens e quantas mulheres?
Carlota – Não lembro exatamente. Mas tinha mais homens do que mulheres por causa do batuque. Nonato, a cada ano que organizávamos entrava mais brincantes porque entendia que a brincadeira animava o nosso carnaval. Quem não gostava de brincar o Apache brincava a Casinha da Roça que era organizada também por nós.
Brincantes da Tribo Apache posam para a foto em 1963
Blog Vimarense – Quais os locais na cidade onde o bloco se apresentava?
Carlota – As nossas brincadeiras quando iniciaram você ainda não tinha nascido. Eu conheço seus pais, são meus colegas. Nonato, a nossa primeira Tribo do Apache, no ano de 1960, já começou muito linda. Lembro que nesse ano fomos apanhar o Rei Momo que vinha de avião. O comandante Galdêncio vinha deixar o nosso rei do carnaval. Então o nosso carnaval começa em nosso aeroporto que ficava ao lado do cemitério da cidade. O Rei Momo é o Vavá, irmão de Dona Didi de Olavo. Nesse primeiro ano ninguém sabia da Tribo por que a gente ensaiava escondido lá em casa na rua Santa Rita, casa dos meus pais. Os blocos foram convidados para receberem o Rei do Carnaval. Nós chegamos por último, fazendo a grande surpresa.
Blog Vimarense - Como era a fantasia?
Carlota - A nossa fantasia era bonita com o desenho da machadinha bem ao lado do peito e a batucada. Ficaram todos espantados por que não sabiam o que a nossa brincadeira tinha organizado. Daí em diante foi só sucesso. Quando saíamos de casa, tocávamos foguete e quando chegávamos de volta também tocávamos também. Chegávamos fazendo a nossa apresentação. Nosso cacique dizia “Saravá, saravá, monitu, monitu, monitu”. E a gente respondia “ saravá, saravá, apache aqui na terra”. Aquele chamado do cacique é que fazia nossa união. O cacique era Agripininho, meu irmão. Depois da nossa apresentação vínhamos para a praça principal com os outros blocos. O Rei Momo vinha num carro todo arrumado, um carro da prefeitura. Na praça encontrávamos o prefeito com os seus secretários num bonito palanque montado no meio da praça. No fim da nossa apresentação cantávamos um samba que compomos que dizia assim: “Apache tua tribo é uma beleza/que a natureza criou,/apache no ritmo de samba/na corda bamba/ todos te conhecem ao nome/ao som de teu tamborim/e ao rufar do teu tambor, ôôô o apache chegou/.
Como vocês faziam para produzir as fantasias dos brincantes da Tribo?
Carlota - Nonato, nós só tínhamos ajuda do prefeito Paulo Nogueira e os colegas brincantes que se ajudavam. Quando um não tinha um material, o outro dava o que sobrava da sua fantasia, mesmo porque muitos queriam participar e não tinham condições. Apresentávamos sempre no Casino que muitos diziam que era clube da sociedade de Guimarães e negro não entrava no casino. Não era nada disso, no Casino entravam os sócios.
Blog Vimarense - Havia outros clubes na cidade?
Carlota - Nessa época tinha um clube pro lado da casa de Memê, não lembro o nome, aqueles que não entravam no casino iam pra lá. Diziam para Enildo, meu irmão, que era escuro, que ele era metido a estar no casino que era só de branco. Isso era só porque tinha essa organização e que só entravam os sócios. Todo dia 2 de janeiro se fazia o primeiro grito de carnaval em Guimarães. Eu também saía muito de máscara e muitos já me conheciam e eu não estava nem aí, brincava mesmo o carnaval da minha terra.
Blog Vimarense - A senhora recebeu uma homenagem no Carnaval Vimarense há cinco anos.
Carlota - Nonato, fui passar um carnaval em Guimarães quando o prefeito ainda era Padre William, fui incentivada a ir ao carnaval por Stélio e Ana Maria Ribeiro (Aninha) e Stelmo, que até hoje brincam o carnaval vestidos de mulher. Foram me buscar na casa de Aninha, brincamos pelas ruas e depois fomos para a Praça Luís Domingues. Chegando lá perto do palco, o professor Valber Pereira que estava ao microfone, me anunciou e que eu estava sendo homenageada naquele momento pelos vimarenses. Aí é que eu fui entender essa insistência deles. E por que estava organizada uma manifestação e eu não sabia, mas foi muito boa, muito alegre, gostei muito da manifestação em praça pública, falei ao microfone, chorei, mas valeu a pena, se sabe que alguém nos valoriza, apesar de estarmos velha (risos). Nonato, eu já tinha chorado muito quando encontrei Pedro Marujo numa cadeira de rodas. Ele estava bem no canto do sobrado com a esposa dele, eu chorava e ele também,. Aí eu dizia: - Não chora, Pedro, tu foste cacique da minha tribo. Chorávamos, ríamos... mas faz parte da nossa vida.
Blog Vimarense – Nesse período tinha desfile de outros blocos na cidade?
Carlota – Tinha um bloco da Rua do Porto chamado de Turma de Mangueira e que tinha o apelido de “Tá na Bolacha”, porque resolviam as coisas na briga (risos), o de Enézio que era Veteranos do Samba; no Cumã tinha um bloco mas não brincava na sede porque dava muita briga nessa época; tinha um bloco do pessoal da padaria, (funcionava na rua Professor Osório Anchieta), parece-me que também tinha um de Carapirá, Genipaúba, Maçaricó, que não lembro o nome e a Casinha da Roça que quando a Tribo acabava de se apresentar íamos brincar o tambor de crioula na Casinha da Roça. Era para a animação não acabar, nós quem fazíamos a animação do nosso carnaval. Nonato, a Casinha da Roça sempre teve a ajuda de Janilson Schalcher, Mário Veloso e Arnaldo Melo, enfim todos quem participavam com a gente da Casinha da Roça contribuíam, levavam carne assada, peixe, arroz, coco para enfeitar. O que marcou a nossa brincadeira do Apache foi um prêmio que ganhamos no último ano que apresentamos e que com o dinheiro da premiação contratamos o moço da cantina para fazer doces e pastéis e no intervalo da nossa apresentação sentamos no meio do Casino e foi distribuído o lanche, que foi comprado com o dinheiro que ganhamos.
Blog Vimarense – O Bloco de Enézio já existia nessa época?
Carlota – Já sim. De Enézio e um da Rua do Porto.
Blog Vimarense – Já havia nesse período o desfile das escolas de samba do interior?
Carlota – Ainda não.
Blog Vimarense – Qual foi o último carnaval que a senhora passou em Guimarães?
Carlota – Foi no último ano da administração do Padre William e quando fui homenageada. E uma grande homenagem, Nonato. Eu queria tanto que o nosso povo fosse mais unido para lutar em prol da nossa terra.
Blog Vimarense – Muito obrigado pela entrevista.
Carlota – Eu quem agradeço, Nonato. Esqueci de falar que o sonho nosso, meu e de meu marido antes de falecer era morar em Guimarães depois de aposentados, mas o destino não permitiu. Não te conhecia, mas quando tomei as informações fui descobrir que você é filho de um casal muito amigo nosso que é Antônio Luís e Mundiquinha Brito. Te agradeço e te desejo tudo de bom.