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VERSO E PROSA

  • Foto do escritor: Blog Vimarense
    Blog Vimarense
  • há 14 horas
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Ponta do Cumã, ao fundo o porto do Guarapiranga.
Ponta do Cumã, ao fundo o porto do Guarapiranga.
Baia de Cumã
Baia de Cumã
Idenilce Silva dos Santos, professora licenciada em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão- UEMA, com especialização em Metodologias Inovadoras Aplicadas à Educação: Ensino de Língua Portuguesa e Espanhola/ IESF. Servidora Pública Estadual e Municipal. Membro da Academia Vimarense de Letras, Artes e Ciências ( AVLAC).
Idenilce Silva dos Santos, professora licenciada em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão- UEMA, com especialização em Metodologias Inovadoras Aplicadas à Educação: Ensino de Língua Portuguesa e Espanhola/ IESF. Servidora Pública Estadual e Municipal. Membro da Academia Vimarense de Letras, Artes e Ciências ( AVLAC).

Praia de Cumã: marés de memórias e sustento


Por Idenilce Silva Santos


Há lugares que nunca ficam para trás, ficam dentro da gente. São cenários que a memória insiste em carregar, mesmo quando nossos passos já não tocam naquela areia todos os dias. A Praia de Cumã é assim para mim: um pedaço da vida onde o tempo não passa, apenas se recolhe em minhas lembranças. Ali, onde o sal tem cheiro de infância e a brisa parece chamar pelos nossos nomes, guardam-se as histórias que alimentaram minha família, não só de peixe e marisco, mas de coragem, de luta, esperança e de amor. Praia afetiva, representa mesa posta, chão de esperança, livro aberto, onde meus amados pais, Arnaldo e Diolene, escreveram juntos, o destino de doze filhos.

Entre marés vivas e silenciosas, aprendemos que o mar também cria gente, e que alguns lugares são eternos não pela paisagem, mas pelas vidas que abraçam e formam.

E foi ali, naquele encontro amigo entre maré e esperança, que meu pai, pescador resiliente, com as mãos calejadas e a velha rede de pesca escreveu nas águas sua própria história e com ela, os sonhos que sustentaram e criaram seus filhos. Quando a maré estava boa para pescar, bastava a sabedoria silenciosa que carregava nos olhos. Era como se o mar conversasse diretamente com ele, num diálogo antigo, feito de gestos, de intuição e de respeito.

Eu, ainda pequena, ficava olhando quando meu pai saía para o mar. Meu coração acompanhava seus passos até que desaparecessem no caminho, mas era na volta que a alegria se abria inteira dentro de mim, quando retornava com tudo aquilo que o mar, generoso, concedia para nosso sustento. Cada balde cheio era mais que alimento, era a prova viva do esforço e da parceria silenciosa entre o mar e nossa família.

E como toda travessia tem um porto firme, o nosso sempre teve o nome de Diolene, nossa mãe, farol incansável. Ela não era pescadora, mas sustentava a pesca com as próprias mãos. Era quem esperava a qualquer momento o retorno, mesmo durante a noite ou de madrugada, a lamparina acesa na cozinha era o farol que anunciava acolhimento e na chegada ela tinha uma certeza: nenhum filho seu ficaria com fome. E assim, mesmo com o corpo cansado pelos tantos ofícios que a vida lhe confiou; lavradora, quebradeira de coco, lavadeira, costureira… ela já estava de pé, erguida pela coragem, pronta para preparar com amor o alimento que garantia nossa mesa e nutria o nosso futuro.

E foi assim, entre o pai que pescava, o mar que provia e a mãe que transformava em afeto tudo que chegava a nossa casa, que crescemos, banhados pela força do trabalho e pela coragem dos que não desistem, mesmo diante das marés mais difíceis.

Essa praia de límpidas areias foi aliança, foi parceria, foi milagre diário. Cada maré cheia trazia lembranças, cada maré vazante deixava lições que moldaram o nosso jeito de existir. E, como escreveu Maria Firmina dos Reis em Canto de Recordação, dedicado a esta mesma praia que embalou nossa história:

Ó campina, o praia sedutora,

Ó montanha, ó vale de saudade!

Meu segredo guardai em vosso seio

Desse tempo de felicidade!”

Assim, também guardamos nos seios dessa praia as memórias que fizeram de nós uma família moldada pelo esforço, pela fé e pela resiliência. Quando penso em meu pai, lembro da sua figura firme entrando no mar como quem reencontra um velho amigo. E quando vejo minha mãe, lembro da ternura, do cuidado, da cozinha alegre e aquecida, nos ensinando que amor é também preparo, é partilha. É um altar de lembranças.

E, na grandeza dessa paisagem, reconheço que Cumã é o livro aberto onde releio a história que essa praia ajudou a construir. Cada vez que a maré oscila, sinto que meu pai responde, não com palavras, mas com o sopro eterno de quem continua presente. E minha mãe, em silêncio acolhedor, segue preparando a mesa do sustento e da memória, garantindo que nenhum filho siga em frente sem alimento: nem para o corpo, nem para a alma.

 
 
 

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