RUAS VAZIAS, OLHOS ABERTOS: GUIMARÃES SOB O VÉU DAS SOMBRAS
- Blog Vimarense

- 6 de jul.
- 2 min de leitura



Por Tony Avelar
Quando eu era criança, Guimarães era um lugar onde o medo dormia debaixo das camas e acordava com a gente ao cair da tarde. Os mais velhos contavam histórias que não se achavam nos livros — histórias que não se duvidavam, apenas se respeitavam.
Falava-se de um homem muito alto, tão alto que, quando se sentava no telhado do casarão da Praça, as pernas desciam até o chão. Ninguém sabia de onde vinha. Diziam que era alma de um condenado, vagando entre mundos. À noite, quem escutava barulhos no telhado sabia: não era o vento.
Tinha também a procissão de ossos. Em noites de silêncio denso, quando nem os sapos coaxavam, via-se uma fila branca atravessando a rua da Matriz, arrastando caveiras, cruzes e velas apagadas. Ninguém ousava olhar diretamente — bastava um vislumbre e o azar entrava na casa pela porta da frente.
E aquela folha seca, que parecia morta como qualquer outra, mas se você passasse por ela, ela se virava e começava a te seguir. Um menino sumiu certa vez. A mãe disse que ele chutou a folha com desprezo. Foi visto pela última vez na curva da Estrada da Bethânia. Desde então, a folha ainda ronda, esperando outro desavisado.
Mas nenhuma história arrepiava mais que a do Corpo Seco. Diziam que era um homem que bateu na mãe. Amaldiçoado, foi rejeitado pela terra, pelo mar e até pelo fogo. Jogaram-no nas ondas, o mar devolveu. Botaram fogo, não queimava. Até que o amarraram numa árvore no mato, onde gritava dia e noite. Quando voltaram lá, só restava um tronco retorcido, com algo parecido com orelhas humanas brotando da casca.
— Virou orelha de pau — diziam os antigos. E quando o vento batia nas árvores, os gritos vinham juntos. Era ele.
Tinha também os encantados: Coroaganga, que aparecia em encruzilhadas para confundir os viajantes; a Mangunça, criatura de corpo disforme e olhos de brasa, que gostava de tomar gente como brinquedo; e a Mãe d’Água, bela e traiçoeira, que arrastava homens para o fundo dos rios com seus cantos doces.
Por tudo isso, em Guimarães, ninguém se arriscava a sair depois da Ave Maria. As ruas ficavam desertas. As lamparinas apagadas cedo. Até os cachorros latiam para o nada e corriam com o rabo entre as pernas.
Verdade ou invenção? Pouco importa. O certo é que essas histórias estão cravadas na alma da cidade, como raízes de mangue que nunca secam. E até hoje, quem passa a noite pelas ruas vazias de Guimarães, sente que está sendo vigiado.
Afinal, em Guimarães, até o silêncio tem olhos.










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