top of page

RUAS VAZIAS, OLHOS ABERTOS: GUIMARÃES SOB O VÉU DAS SOMBRAS

  • Foto do escritor: Blog Vimarense
    Blog Vimarense
  • 6 de jul.
  • 2 min de leitura
O homem da perna comprida gostava de sentar no telhado do sobrado da Praça Luis Domingues
O homem da perna comprida gostava de sentar no telhado do sobrado da Praça Luis Domingues
Imagem da Coroaganga, uma das lenda de Guimarães
Imagem da Coroaganga, uma das lenda de Guimarães
Marilton Fonseca Avelar, conhecido pelos amigos de Tony Avelar. Formado em Letras pela UEMA, Funcionário Público, Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Guimarães, e da Academia Vimaranense de Letras, Artes e Ciências.
Marilton Fonseca Avelar, conhecido pelos amigos de Tony Avelar. Formado em Letras pela UEMA, Funcionário Público, Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Guimarães, e da Academia Vimaranense de Letras, Artes e Ciências.

Por Tony Avelar


Quando eu era criança, Guimarães era um lugar onde o medo dormia debaixo das camas e acordava com a gente ao cair da tarde. Os mais velhos contavam histórias que não se achavam nos livros — histórias que não se duvidavam, apenas se respeitavam.

Falava-se de um homem muito alto, tão alto que, quando se sentava no telhado do casarão da Praça, as pernas desciam até o chão. Ninguém sabia de onde vinha. Diziam que era alma de um condenado, vagando entre mundos. À noite, quem escutava barulhos no telhado sabia: não era o vento.

Tinha também a procissão de ossos. Em noites de silêncio denso, quando nem os sapos coaxavam, via-se uma fila branca atravessando a rua da Matriz, arrastando caveiras, cruzes e velas apagadas. Ninguém ousava olhar diretamente — bastava um vislumbre e o azar entrava na casa pela porta da frente.

E aquela folha seca, que parecia morta como qualquer outra, mas se você passasse por ela, ela se virava e começava a te seguir. Um menino sumiu certa vez. A mãe disse que ele chutou a folha com desprezo. Foi visto pela última vez na curva da Estrada da Bethânia. Desde então, a folha ainda ronda, esperando outro desavisado.

Mas nenhuma história arrepiava mais que a do Corpo Seco. Diziam que era um homem que bateu na mãe. Amaldiçoado, foi rejeitado pela terra, pelo mar e até pelo fogo. Jogaram-no nas ondas, o mar devolveu. Botaram fogo, não queimava. Até que o amarraram numa árvore no mato, onde gritava dia e noite. Quando voltaram lá, só restava um tronco retorcido, com algo parecido com orelhas humanas brotando da casca.

— Virou orelha de pau — diziam os antigos. E quando o vento batia nas árvores, os gritos vinham juntos. Era ele.

Tinha também os encantados: Coroaganga, que aparecia em encruzilhadas para confundir os viajantes; a Mangunça, criatura de corpo disforme e olhos de brasa, que gostava de tomar gente como brinquedo; e a Mãe d’Água, bela e traiçoeira, que arrastava homens para o fundo dos rios com seus cantos doces.

Por tudo isso, em Guimarães, ninguém se arriscava a sair depois da Ave Maria. As ruas ficavam desertas. As lamparinas apagadas cedo. Até os cachorros latiam para o nada e corriam com o rabo entre as pernas.

Verdade ou invenção? Pouco importa. O certo é que essas histórias estão cravadas na alma da cidade, como raízes de mangue que nunca secam. E até hoje, quem passa a noite pelas ruas vazias de Guimarães, sente que está sendo vigiado.

Afinal, em Guimarães, até o silêncio tem olhos.

 
 
 

Comentários


Destaque
Tags
bottom of page